quinta-feira, 9 de abril de 2009

MEDITAÇÃO DO IRMÃO ALOIS PRIOR DE TAIZÉ

Quinta-feira Santa: «Eu amei-vos»
Jesus lava os pés aos seus discípulos, pintura do irmão Sylvain, de Taizé
«Eu amei-vos»: estas palavras aparecem várias vezes no relato que o Evangelho de São João faz sobre a última noite de Jesus com os seus discípulos (João 13,34 e 15,9.12). Elas são como uma chave que nos dá o sentido de toda a narração.
Para evocar esta última noite, João conta como Jesus começou por lavar os pés dos seus discípulos. Os outros três Evangelhos recordam que nessa noite Jesus instituiu a Eucaristia. Sermos convidados a comemorar no mesmo dia a instituição da Eucaristia e o lava-pés é algo de muito feliz. Há uma íntima relação entre estes dois gestos: numa grande simplicidade, expressa-se todo o mistério da pessoa de Jesus. Por uma forma diferente de palavras, talvez melhor do que por palavras, Jesus mostra aquilo que está no centro do Evangelho: «Eu amei-vos até ao extremo.»
Tanto para a Eucaristia como para o lava-pés, o contrate entre o gesto e o conteúdo do seu significado é impressionante. É a pobreza e a simplicidade destes dois gestos que os tornam acessíveis a todos.
A Eucaristia resume toda a nossa fé, e só a podemos receber numa atitude de adoração, com um espírito de criança. É celebrando este mistério que o podemos compreender cada vez melhor.
«Isto é o meu Corpo»: estas palavras ultrapassam a nossa compreensão. Nunca ninguém tinha falado assim nem nunca ninguém voltará a falar assim. São palavras únicas em toda a história das religiões, que só encontram a sua justificação em si mesmas. Evitemos tentar encontrar uma explicação que feche o mistério apenas na nossa percepção. Isso foi uma tentação constantemente presente na Igreja.
Quando celebramos a Eucaristia, confiamos nas palavras de Cristo transmitidas pelos primeiros cristãos: «Isto é o meu Corpo, entregue por vós.» A Igreja comunica, de geração em geração, o mistério que é actualizado pelo Espírito Santo.
Pela Eucaristia acolhemos na nossa vida Cristo, que foi até ao extremo do amor dando-se a si mesmo. E o dom da sua vida dá fruto nos seus discípulos. «Eu sou a videira; vós, os ramos… Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto» (João 15,5.8).
O lava-pés (do qual se apresenta aqui uma imagem muito simples) permite-nos contemplar a humildade de Jesus. Ela há-de espantar-nos sempre. Esta profunda humildade contém uma força de amor que renova toda a criação.
A Omnipotência de Deus é a do amor. Jesus «venceu o mundo» (João 16,33), não por ser mais forte que ele, mas porque introduziu na humanidade uma força diferente, absolutamente nova. Na noite de Quinta-feira Santa, cantamos durante muito tempo: «Ubi caritas et amor, Deus ibi est» (Onde houver caridade e amor, Deus está presente.)
O poder de Deus é uma energia de amor que age a partir de dentro e de forma mansa. Ele pode transformar as realidades mais duras, até mesmo a morte.
Será que estamos suficientemente conscientes de que ao celebrar a Eucaristia abrimos as portas a Cristo, para que a sua força de amor possa irrigar a nossa vida e a do mundo de hoje?
Será que estamos suficientemente conscientes de que através de um serviço tão simples quanto o lava-pés permitimos que a sua presença de Ressuscitado aja no mundo? O nosso empenho situa-se muitas vezes no âmbito do sinal, tal como, aliás, toda a vida de Jesus o foi. Talvez não façamos nada mais do que lavar os pés daqueles que nos são confiados. Mas os nossos actos de solidariedade são sinais que podem abrir uma passagem a Cristo e transfigurar a humanidade.
Será que estamos suficientemente conscientes de que a Eucaristia e o lava-pés são antecipações do Reino? Estas antecipações abrem ao coração do mundo um horizonte de esperança.
Em Taizé, recebemos a graça de fazer uma experiência muito forte da ligação entre a Eucaristia e o lava-pés através da vida de alguns de nós, que viveram oito anos num dos bairros de lata mais pobres de África. Foi em Mathare Valley, em Nairobi, no Quénia. O irmão Roger esteve lá durante algum tempo e depois um pequeno grupo de irmãos continuou. Sem grandes meios para modificar as inúmeras situações angustiantes, que sentido poderia aquela presença assumir?
Como permanecer lá? A exemplo das Irmãzinhas de Jesus, o irmão Roger perguntou ao Arcebispo se, na pobre barraca onde moravam, os irmãos poderiam guardar a presença eucarística. O Arcebispo deu o seu consentimento e foi ele próprio celebrar a Eucaristia no bairro de lata. Mais tarde, um dos irmãos escrevia: «Sem uma oração quotidiana em frente ao dom eucarístico eu não teria aguentado.» Era como uma fonte de vida que permitia aos irmãos continuar, com a sua presença simples, a «lavar os pés» das pessoas daquele bairro. E, pouco a pouco, foram nascendo iniciativas de solidariedade.
Claro que viver uma presença tão gratuita como a dos meus irmãos não dispensa os cristãos de se empenharem com vista a mudar as estruturas de injustiça. Mas se não vivermos perto dos mais pequenos não podemos reconhecer a sua dignidade nem permitir que ela seja respeitada. O apelo do Evangelho para lavarmos os pés aos pobres leva-nos a ultrapassar um espírito de assistência ou de paternalismo e a descobrir tudo o que eles têm para nos dar e que nós podemos receber deles.
Estarmos mais conscientes da relação entre Eucaristia e serviço: não haverá aí uma fonte de renovamento para a Igreja de hoje? Sim, a Eucaristia convida-nos ao lava-pés: ir, tal como Jesus, até ao extremo do amor, amar como ele amou.
O jornal francês «La Croix» pediu ao irmão Alois para escrever, ao longo do ano 2008-2009, uma meditação para cada grande celebração cristã.

Sem comentários:

Enviar um comentário